De trabalhador contratado, António, o Negro, tornou-se proprietário de
terras e um próspero agricultor, nas colónias de Virginia e Maryland. Ficou na
história americana como o primeiro proprietário de escravos, comprando para si
um trabalhador negro como ele, numa decisão inédita de um tribunal, e que
marcaria para sempre a história da América.
Em 1619, um jovem foi capturado por traficantes de
escravos na região actual de Angola e vendido a um comerciante ao serviço da
Virginia Company, na primeira colónia inglesa na América. António, O Negro,
como era conhecido, depois de chegar a Jamestown, a bordo de um barco holandês,
foi vendido a Edward Bennett, um plantador de tabaco inglês, para trabalhar na
sua propriedade, Warresquioake.
António ignorava tudo sobre esta terra estranha.
Desconhecia a língua e os costumes dos seus habitantes. Tinha chegado numa das
primeiras levas de negros trazidos para o continente americano. Um dos
primeiros grupos que se transformariam em milhões nos próximos três séculos.
Mas este era ainda o tempo dos pioneiros, de uma
América virgem e inocente, onde os seus poucos habitantes - europeus, índios,
judeus, negros, viviam pacificamente integrados numa comunidade regida por
regras e leis muito próximas da tão desejada Terra Prometida.
Antes de 1654, a servidão ou escravatura era mais um
conceito económico do que racial. Os africanos dos territórios da Virgínia e
Maryland tinham um estatuto mais próximo de trabalhadores contratados
do que de escravos; estavam ligados por um contrato por um período máximo
de sete anos, no final dos quais recebiam terras e utensílios agrícolas
para se estabelecerem por sua conta - onde e como quisessem.
Moldar o destino
António estava decidido a moldar o seu próprio
destino. Desde cedo revelou-se um excelente trabalhador na plantação e Edward
Bennett não durou muito a aperceber-se do talento de António para a agricultura
e a afeiçoar-se ao jovem recém-chegado. Como prova da sua estima, permitiu-lhe
cultivar um pequeno terreno junto das suas terras, onde António começou a
cultivar tabaco, milho e a criar algumas cabeças de gado.
Em Março de 1622, a plantação de Bennett foi atacada
por índios e 52 pessoas foram massacradas. Apenas António e mais quatro pessoas
sobreviveram ao ataque.
Nesse mesmo ano, uma nova leva de africanos chegou à
Virginia no navio 'Margaret' e António apaixonou-se por uma negra chamada
Mary trazida para trabalhar na plantação, a única que havia na região. António
e Mary casaram-se - Bennett foi o padrinho de baptizado dos seus quatro
filhos, dois rapazes e duas raparigas - numa união próspera que duraria
quarenta anos.
Documentos da época dizem que António não terá chegado
a cumprir o contrato até ao fim, tendo ganho a sua liberdade muito antes do
final do contrato e comprado a liberdade da sua mulher. A primeira coisa que
fez foi mudar o nome para Anthony Johnson, adoptando um novo apelido, sinal de
que não era propriedade de ninguém.
Depois de ganharem a sua liberdade, a família mudou-se
para o interior da Virgínia, para uma pequena quinta onde começaram a criar
gado e porcos.
De acordo com registos da época, Anthony e Mary eram
respeitados na sua comunidade e reconhecidos pelo seu "trabalho árduo e
pelos serviços prestados". Ao longo dos anos, ambição de Anthony não parou
e o angolano rapidamente se tornou um grande proprietário de terras, ao
adquirir 125 hectares para si e para os seus filhos.
A história da vida de António teria sido igual à de
muitos trabalhadores levados para as Américas não fosse uma teimosia sua levada
até ao limite.
Proprietário de escravo
Com o aumento das suas propriedades, Anthony decidiu,
certo dia, contratar cinco trabalhadores e um escravo africano, de nome John
Casor, para os seus serviços. Expirado os sete anos do prazo contratual,
Anthony recusou libertar Casor, alegando que o tinha comprado e não contratado.
Este decidiu então pedir ajuda a um agricultor branco local, chamado Robert
Parker, reivindicando os seus direitos.
Revoltado, Parker decidiu dar apoio e protecção a
Casor. Anthony não baixou os braços e deu entrada no tribunal um processo
contra Parker. Casor, por sua vez, tentava provar em tribunal de que era apenas
um trabalhador contratado e não um escravo. Pela primeira vez os tribunais americanos
viram-se confrontados com uma situação em que uma pessoa reivindicava para si
outra pessoa como propriedade sua.
O tribunal decidiu a favor de Parker, libertando
Casor, mas apenas temporariamente, pois de imediato reviu a sua decisão e
declarou que Casor deveria retornar ao seu dono, Anthony Johnson. E sendo Casor
propriedade de Anthony Johnson estava ao seu serviço para o resto da vida, como
veio, de facto, a acontecer.
Para os historiadores americanos, com esta decisão do
tribunal, Anthony Johnson ou António, o angolano, tornava-se o primeiro
proprietário de escravos da América. O tribunal abria assim um histórico
precendente: Casor tornava-se no primeiro indivíduo reconhecido pelas
autoridades na América como escravo, na Colónia da Virginia, o que traria
consequências terríveis para os africanos nos séculos seguintes.
Os últimos anos
Em 1653, um incêndio de enormes proporções destruiu a
maior parte da plantação da família de Johnson, obrigando-o a pedir ao tribunal
uma isenção no pagamento de impostos, pois mal tinham para viver. Dois anos
mais tarde, talvez fugindo aos vizinhos brancos que lhe invejavam as
terras, Anthony e Mary, juntamente com os filhos, John e Richard, mudaram-se
para Somerset County, em Maryland, a norte.
Aqui, na região ainda pouco povoada de Wicomico Creek,
Anthony e a família chegaram com 14 cabeças de gado e 8 ovelhas. Arrendaram uma
fazenda com 120 hectares (Tonies Vineyard), para cultivar tabaco, onde Anthony
viveria até à sua morte, em 1670. A viúva Mary viveria ainda por mais dois
anos.
Mas apesar de ser um homem inteligente, trabalhador e
dinâmico, aos olhos dos outros Anthony nunca deixou de ser um homem negro. Logo
após a sua morte, a maior parte das suas terras foram anexadas por um
agricultor branco aproveitando uma decisão de um tribunal local que dizia que
"por ser negro, Anthony Johnson não era considerado um cidadão da Colónia
da Virginia."
Em 1677, John Johnson Jr., neto de Anthony e Mary,
herdou os últimos 22 hectares do que restava das terras de Anthony e baptizou a
fazenda de 'Angola', (nome que mais tarde seria dado também a uma prisão
estadual no Luisiana, conhecida pela "Alcatraz do Sul) em memória à
terra ancestral do avô, António. John Jr. não teve filhos e depois de 1730 os
registos da família de Anthony Johnson desaparecem por completo dos arquivos
americanos.
Texto de Joaquim Arena
Sem comentários:
Enviar um comentário