quarta-feira, 13 de março de 2013

Homenagem hoje a Malaquias Costa


Um grupo de músicos de Mindelo reúne-se esta noite em homenagem ao Malaquias Costa, falecido no passado dia 7 de Março nesta cidade. Considerada uma das muitas homenagens ao “Malacas”, Noel Fortes avança que varias outras acções estão já em marcha para dar corpo as ambições de perpetuar o nome deste que é considerado o pai das noite caboverdianas.

Segundo o seu amigo e companheiro de palcos, Noel Fortes, entre as iniciativas, consta um pedido já encaminhado às entidades competentes do país, para a criação de uma estatua representativa do malogrado e seu violino que poderia ser colocada nas proximidades do Bar Orfélia, local na Avenida de Holanda onde nasceu as noites caboverdianas.

Esta tarde numa conversa com o violinista Noel Fortes ficamos a conhecer melhor como será a noite caboverdiana de hoje.

Malaquias Costa nasceu em 1926 em Santo Antão. A música desde sempre o fascinou. Aprendeu-a com os grandes mestres da composição cabo-verdianos e orgulha-se de ter sido aluno de B.Léza. Figura de destaque das noites do Mindelo, “Malacas” animou as noites dos bares e restaurantes da moda em São Vicente. Acompanhou nomes como Manuel de Novas e Cesária Évora. É um dos grandes violinistas do panorama musical cabo-verdiano.

Na casa dos seus pais, na Ribeira do Corvo, Malaquias António Costa cedo se habituou à presença dos instrumentos musicais. O seu pai, que também tocava, deixava-os propositadamente à sua disposição. “Tinha na altura os meus cinco ou seis anos, e aquele ambiente com os amigos do meu pai, reunidos à noite a tocar, despertava-me um fascínio imenso. Ao outro dia, costumava praticar sozinho, tentando reproduzir o que tinha ouvido na noite anterior. Era algo de mágico!”, relembra.

Malaquias Costa, aprendeu com os grandes mestres. “Era vizinho do Muchim do Monte – para mim o melhor violinista que Cabo Verde já teve. Aprendi com ele os primeiros acordes no violino. Depois conheci o B.Léza, que também vivia ali perto. Passava os dias na casa dele. O B.Léza marcou-me pela sua genialidade. Era um dos expoentes máximos da composição e da execução na guitarra. Tenho orgulho em poder afirmar que fui aluno do B.Léza. Mais tarde, toquei com o Luís Rendall, famoso compositor e exímio solista. Foi um mestre. Para o acompanhar, era preciso ser um excelente executante, pois os solos que ele fazia, não estavam ao alcance de qualquer um.”

Com dez anos de idade, “Malacas” – como por todos é conhecido – vai viver para São Vicente, terra de músicos e de compositores, e aprimora-se nas suas capacidades musicais. A adolescência, passa-a entre o trabalho de ajudante numa loja comercial do Mindelo, e os ensaios numa viola de dez cordas. “Como na altura se ganhava pouco, com a música sempre podia completar um pouco mais o parco orçamento disponível”, confidencia.

São Vicente vivia na altura os seus tempos de glória. O movimento centrava-se em torno do Porto Grande. A ele chegavam barcos provenientes de todos os cantos do mundo. Conforme relembra, “havia sempre navios de carga e de passageiros que paravam em São Vicente, para abastecer de óleo ou carvão. Esse movimento, dava vida à cidade. Foi uma época marcante.”

Talvez fruto da riqueza que observava entrar pelo Porto Grande, Malaquias Costa, então com 19 anos, decide abandonar São Vicente num desses barcos que todos os dias via partir. Conforme conta, “naquela altura, como havia pouco dinheiro, os que queriam emigrar metiam-se nos barcos e saíam clandestinamente. Davam o “salto”, como se costumava então dizer. Umas vezes tinham sucesso, mas outras vezes, sofriam muito e tinham de regressar. Fiz parte do grupo destes últimos. Para azar meu, resolvi fugir num barco cata-vento. Passei mal. Fui a viagem toda muito quieto, porque com o vento, havia sempre muito cascalho pelo ar. Se eu me mexesse muito, apanhava com o cascalho todo em cima. Viajei horas intermináveis num espaço onde mal cabia sentado. Fui sem destino. Ia para onde fosse o barco. Onde ele parasse, eu lá me havia de arranjar. Fiquei pela ilha do Sal.”, relembra.

Novamente em São Vicente, resolveu que era altura de formar o seu próprio grupo musical. A sua formação preferida eram os quartetos. “Sempre gostei de quartetos. Duas guitarras, um cavaquinho e o violino. Raramente usávamos precursão, mas se por ventura a utilizávamos, era sempre de uma forma muito discreta. Recorríamos apenas a chocalhos tocados muito suavemente”.
O grupo rapidamente ganha fama e torna-se figura de destaque nas noites mindelenses. Tocam em todos os bares e restaurantes da moda. Tocou com grandes nomes da música cabo-verdiana, tais como Celina Pereira, Ângela Maria, Mité Costa, Arlinda Santos, Lena Ferro, Sãozinha Fonseca entre outros. “Normalmente, quando elas passavam por aqui por São Vicente, e queriam gravar um ou dois temas na Rádio Barlavento, era o meu grupo que as acompanhava”, conta “Malacas”.

Malaquias Costa também acompanhou Bana, Ildo Lobo e Manuel Novais, contudo o nome que mais recordações lhe trás é o de Cesária Évora. Conforme conta, “tocar com a Cize foi uma experiência muito enriquecedora. Muitas vezes estava em casa a preparar-me para me deitar, e tocavam à porta em grande alarido, a dizerem que estava um grupo de gente importante no Grémio que gostaria muito de ouvir a Cesária a cantar. Como eu sabia por onde ela andava, ia-a chamar. Apanhávamos o Franck Cavaquim e o resto dos músicos em Monte Sossego e avançávamos para o Grémio. Depois era a noite toda a acompanhá-la”, recorda.

Nas noites de serenata, a sua paixão pela música era tal que, conforme diz, “se me estivesse a sentir bem, nem me lembrava de ir a casa. Vadiei um bocado na minha juventude, mas nunca me meti em problemas. As regras eram para se cumprir. Entretanto apaixonei-me pela minha mulher, e cheguei mesmo a compor umas três mornas, as quais lhe dediquei.”  Infelizmente, essas melodias, com o passar dos anos, foram-se apagando da memória de Malaquias Costa, que apenas teve a oportunidade de registar uma, e que para sempre ficou gravada no disco Noites de Mindelo. Intitulada Cabo Verde, viria a ser um grande sucesso em França.
Com a música, Malaquias Costa percorreu o mundo. Portugal, Estados Unidos, Brasil, Alemanha, França entre muitos outros. Com Orlando Pantera e Voginha, participou na peça coreográfica “Historia da dúvida”, da portuguesa Clara Andermatt.

Em relação às mornas e coladeiras que actualmente se compõem, é peremptório ao afirmar que, “muitas delas têm perdido alguma da alma de antigamente”, e dá o exemplo das coladeiras que, “têm influencias de outros ritmos africanos que não os tradicionais. As mornas e coladeiras de antigamente, traziam muita vida a São Vicente. Vinham pessoas de longe só para ouvir a nossa música. Não havia barco que não parasse para escutar as serenatas à moda antiga. Actualmente, com a música electrónica e os ritmos modernos, as pessoas já não prestam tanta atenção à música e a cidade ressente-se disso”, desabafa.

Malaquias Costa, o “Malacas”, é um homem feliz, pois tal como refere, “vivi em pleno a minha paixão pela música. Nasci numa ribeirinha pequena em Santo Antão, que tinha sempre água, por isso nunca me faltou comida na mesa. Fiz amigos em toda a parte e nunca me dei mal com ninguém, tenho uma família que me ama e que eu adoro, e no final, é isso que conta. Por isso, quando tiver que partir, vou feliz.”

O violinista caboverdiano Malaquias Costa, faleceu no passado dia 7 de Março às sete horas da manhã, no Hospital Baptista de Sousa em São Vicente, onde estava internado, devido a um segundo AVC. O violinista e compositor caboverdiano tinha 87 anos.

(in Nos Genti)

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