Um grupo de músicos de Mindelo reúne-se
esta noite em homenagem ao Malaquias Costa, falecido no passado dia 7 de Março
nesta cidade. Considerada uma das muitas homenagens ao “Malacas”, Noel Fortes
avança que varias outras acções estão já em marcha para dar corpo as ambições
de perpetuar o nome deste que é considerado o pai das noite caboverdianas.
Segundo o seu amigo e companheiro
de palcos, Noel Fortes, entre as iniciativas, consta um pedido já encaminhado às
entidades competentes do país, para a criação de uma estatua representativa do
malogrado e seu violino que poderia ser colocada nas proximidades do Bar Orfélia,
local na Avenida de Holanda onde nasceu as noites caboverdianas.
Esta tarde numa conversa com o violinista Noel Fortes
ficamos a conhecer melhor como será a noite caboverdiana de hoje.
Malaquias Costa
nasceu em 1926 em Santo Antão. A música desde sempre o fascinou. Aprendeu-a com
os grandes mestres da composição cabo-verdianos e orgulha-se de ter sido aluno
de B.Léza. Figura de destaque das noites do Mindelo, “Malacas” animou as noites
dos bares e restaurantes da moda em São Vicente. Acompanhou nomes como Manuel
de Novas e Cesária Évora. É um dos grandes violinistas do panorama musical
cabo-verdiano.
Na casa dos seus pais, na Ribeira do Corvo, Malaquias
António Costa cedo se habituou à presença dos instrumentos musicais. O seu pai,
que também tocava, deixava-os propositadamente à sua disposição. “Tinha na
altura os meus cinco ou seis anos, e aquele ambiente com os amigos do meu pai,
reunidos à noite a tocar, despertava-me um fascínio imenso. Ao outro dia,
costumava praticar sozinho, tentando reproduzir o que tinha ouvido na noite
anterior. Era algo de mágico!”, relembra.
Malaquias Costa, aprendeu com os grandes mestres. “Era
vizinho do Muchim do Monte – para mim o melhor violinista que Cabo Verde já
teve. Aprendi com ele os primeiros acordes no violino. Depois conheci o B.Léza,
que também vivia ali perto. Passava os dias na casa dele. O B.Léza marcou-me
pela sua genialidade. Era um dos expoentes máximos da composição e da execução
na guitarra. Tenho orgulho em poder afirmar que fui aluno do B.Léza. Mais
tarde, toquei com o Luís Rendall, famoso compositor e exímio solista. Foi um
mestre. Para o acompanhar, era preciso ser um excelente executante, pois os
solos que ele fazia, não estavam ao alcance de qualquer um.”
Com dez anos de idade, “Malacas” – como por todos é
conhecido – vai viver para São Vicente, terra de músicos e de compositores, e
aprimora-se nas suas capacidades musicais. A adolescência, passa-a entre o
trabalho de ajudante numa loja comercial do Mindelo, e os ensaios numa viola de
dez cordas. “Como na altura se ganhava pouco, com a música sempre podia
completar um pouco mais o parco orçamento disponível”, confidencia.
São Vicente vivia na altura os seus tempos de glória.
O movimento centrava-se em torno do Porto Grande. A ele chegavam barcos
provenientes de todos os cantos do mundo. Conforme relembra, “havia sempre
navios de carga e de passageiros que paravam em São Vicente, para abastecer de
óleo ou carvão. Esse movimento, dava vida à cidade. Foi uma época marcante.”
Talvez fruto da riqueza que observava entrar pelo
Porto Grande, Malaquias Costa, então com 19 anos, decide abandonar São Vicente
num desses barcos que todos os dias via partir. Conforme conta, “naquela
altura, como havia pouco dinheiro, os que queriam emigrar metiam-se nos barcos
e saíam clandestinamente. Davam o “salto”, como se costumava então dizer. Umas
vezes tinham sucesso, mas outras vezes, sofriam muito e tinham de regressar.
Fiz parte do grupo destes últimos. Para azar meu, resolvi fugir num barco
cata-vento. Passei mal. Fui a viagem toda muito quieto, porque com o vento,
havia sempre muito cascalho pelo ar. Se eu me mexesse muito, apanhava com o
cascalho todo em cima. Viajei horas intermináveis num espaço onde mal cabia
sentado. Fui sem destino. Ia para onde fosse o barco. Onde ele parasse, eu lá
me havia de arranjar. Fiquei pela ilha do Sal.”, relembra.
Novamente em São Vicente, resolveu que era altura de
formar o seu próprio grupo musical. A sua formação preferida eram os quartetos.
“Sempre gostei de quartetos. Duas guitarras, um cavaquinho e o violino.
Raramente usávamos precursão, mas se por ventura a utilizávamos, era sempre de
uma forma muito discreta. Recorríamos apenas a chocalhos tocados muito
suavemente”.
O grupo rapidamente ganha fama e torna-se figura de
destaque nas noites mindelenses. Tocam em todos os bares e restaurantes da
moda. Tocou com grandes nomes da música cabo-verdiana, tais como Celina
Pereira, Ângela Maria, Mité Costa, Arlinda Santos, Lena Ferro, Sãozinha Fonseca
entre outros. “Normalmente, quando elas passavam por aqui por São Vicente, e
queriam gravar um ou dois temas na Rádio Barlavento, era o meu grupo que as
acompanhava”, conta “Malacas”.
Malaquias Costa também acompanhou Bana, Ildo Lobo e
Manuel Novais, contudo o nome que mais recordações lhe trás é o de Cesária
Évora. Conforme conta, “tocar com a Cize foi uma experiência muito
enriquecedora. Muitas vezes estava em casa a preparar-me para me deitar, e
tocavam à porta em grande alarido, a dizerem que estava um grupo de gente
importante no Grémio que gostaria muito de ouvir a Cesária a cantar. Como eu
sabia por onde ela andava, ia-a chamar. Apanhávamos o Franck Cavaquim e o resto
dos músicos em Monte Sossego e avançávamos para o Grémio. Depois era a noite
toda a acompanhá-la”, recorda.
Nas noites de serenata, a sua paixão pela música era
tal que, conforme diz, “se me estivesse a sentir bem, nem me lembrava de ir a
casa. Vadiei um bocado na minha juventude, mas nunca me meti em problemas. As
regras eram para se cumprir. Entretanto apaixonei-me pela minha mulher, e
cheguei mesmo a compor umas três mornas, as quais lhe dediquei.”
Infelizmente, essas melodias, com o passar dos anos, foram-se apagando da
memória de Malaquias Costa, que apenas teve a oportunidade de registar uma, e
que para sempre ficou gravada no disco Noites de Mindelo. Intitulada Cabo
Verde, viria a ser um grande sucesso em França.
Com a música, Malaquias Costa percorreu o mundo.
Portugal, Estados Unidos, Brasil, Alemanha, França entre muitos outros. Com
Orlando Pantera e Voginha, participou na peça coreográfica “Historia da
dúvida”, da portuguesa Clara Andermatt.
Em relação às mornas e coladeiras que actualmente se
compõem, é peremptório ao afirmar que, “muitas delas têm perdido alguma da alma
de antigamente”, e dá o exemplo das coladeiras que, “têm influencias de outros
ritmos africanos que não os tradicionais. As mornas e coladeiras de
antigamente, traziam muita vida a São Vicente. Vinham pessoas de longe só para
ouvir a nossa música. Não havia barco que não parasse para escutar as serenatas
à moda antiga. Actualmente, com a música electrónica e os ritmos modernos, as
pessoas já não prestam tanta atenção à música e a cidade ressente-se disso”,
desabafa.
Malaquias Costa, o “Malacas”, é um homem feliz, pois
tal como refere, “vivi em pleno a minha paixão pela música. Nasci numa
ribeirinha pequena em Santo Antão, que tinha sempre água, por isso nunca me
faltou comida na mesa. Fiz amigos em toda a parte e nunca me dei mal com
ninguém, tenho uma família que me ama e que eu adoro, e no final, é isso que
conta. Por isso, quando tiver que partir, vou feliz.”
O violinista caboverdiano Malaquias
Costa, faleceu no passado dia 7 de Março às sete horas da manhã, no Hospital
Baptista de Sousa em São Vicente, onde estava internado, devido a um segundo
AVC. O violinista e compositor caboverdiano tinha 87 anos.
(in Nos Genti)
Sem comentários:
Enviar um comentário